Li por ai - Arábia Saudita: Razões para os ataques no Iémen.


Raúl M. Braga Pires faz aqui um excelente apanhado que explicam os últimos acontecimentos no zona do lémen.

"Há duas noites que se iniciou mais uma intervenção militar externa contra a minoria houthi, no Iémen. Digo mais uma, já que a História demonstra que já houve várias, sendo que uma delas foi liderada pelo então Piloto da Força Aérea Egípcia, Muhammed Hosni Said Mubarak, a partir de 1962, quando a recém-criada República Árabe do Iémen (do Norte) pedira ajuda ao Egipto de Gamal Abdel Nasser para eliminar as tribos que se mantinham fiéis à Monarquia de Muhammed al-Badr, 3º Rei do Iémen.
Curiosamente, à época, a tensão não era entre sunitas e xiitas, mas sim entre repúblicas e monarquias. De tal forma, que o Reino da Arábia Saudita lutava ao lado dos monárquicos xiitas houthis, que hoje bombardeia! proxy war que durou entre 1962 e 1970, foi entre o Egipto aliado à URSS e a Arábia Saudita aliada à Grã-Bretanha.
Hoje a proxy war é entre os wahabitas sauditas e a Teocracia xiita iraniana. Passámos da Guerra Fria às Guerras Redentoras, com uma moral e uma narrativa justificativa que vão daqui ao algodão doce do Paraíso, ou ao pus que acama as chamas do Inferno, dependendo da perspectiva. O Islão é desta forma travado e combatido pelos próprios muçulmanos, o que do ponto de vista económico, logístico e humano, é já uma vitória para o Ocidente!
As razões para esta intervenção saudita, podem ser resumidas da seguinte forma:
1º Há um novo Rei na Arábia Saudita, Salman Bin Abdulaziz, que sente necessidade de se afirmar regional e internacionalmente. Ainda há dias me diziam que este monarca terá uma postura nova, assumindo muito mais o papel de moderador e não de interveniente. Bom, pode ser por se tratar do seu quintal e da quantidade de populações sauditas xiitas existentes na margem ocidental do Golfo Pérsico, na fronteira sudoeste com o Iémen, bem como no Bahrein, que Bin Abdulaziz não pode permitir um momento houthi inspirador para estes seus súbditos;
2º A rapidez com que esta Coligação que encabeça a “Operação Tempestade da Resolução” (Desert Storm e agora Storm of Resolve!!!How innocent is this???) foi formada, é bem demonstrativa da conjugação de interesses dos seus membros. A saber, os membros do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Qatar, Kuwait, Emiratos Árabes Unidos e Omã, embora este último não participe nesta “Tempestade”), têm todos consideráveis populações xiitas, situando-se geograficamente na margem ocidental do Golfo Pérsico e do Estreito de Ormuz, devendo assim manter governos sunitas, para compensar/equilibrar a maioria xiita iraniana da margem oriental.
O Paquistão, potência nuclear vizinha do Irão, aderiu à Coligação para marcar já uma posição perante a possibilidade de passar a ter fronteira com uma potência nuclear civil.
O Egipto, tem História com o Iémen, como já vimos, mas também não tem interesse nenhum em ver o acesso ao Mar Vermelho, que liga com o Canal do Suez e com o Mar Mediterrâneo, controlado por uma força “desconhecida” e imprevisível. É esta a importância da cidade de Áden, ao sul, a qual os houthis querem tomar e onde se encontra agora instalado o Governo e respectivo Estado-Maior legítimo do Iémen, liderado pelo Presidente Abd Rabbuh Mansur HadiQuem controlar Áden, controla o Estreito de Bab-al-Mandeb e o acesso marítimo à Europa. Por isso mesmo a sua contribuição de guerra são 4 navios que patrulham o Mar Vermelho.
O Sudão de Mohamed al-Bashir, vai ter eleições presidenciais este ano e “amigou-se” de novo com o Egipto, já que este abdicou do direito de veto herdado do colonizador britânico, quanto às políticas transnacionais da água, a aplicar no percurso do rio Nilo, permitindo assim negociações para a construção de uma nova barragem, na Etiópia, na passada 2ª-feira 23 de Março.
Marrocos e a Jordânia não poderiam ficar de parte por serem também monarquias, mas porque parte significativa do desenvolvimento e estabilidade de que têm usufruído nos últimos anos, se tem devido à injecção de dinheiros vindo dos primos do Golfo. De notar que foram Estados que geriram muito bem a chamada “Primavera Árabe” do ponto de vista económico, político e social.
A Turquia, não faz parte da Coligação, mas já disse estar disponível, transportando-nos de novo no tempo e nas tensões/ambições/rivalidades Otomanas e Persas.
Quanto aos americanos, apoiam, fornecem informação, sobretudo ao nível de imagens satélite e disponibilizam, para já, a vontade de colaboração nos reabastecimentos logísticos à Coligação, tendo para tal a base aérea no Djibouti à disposição;
3º Não foi por acaso que este bombardeamento se iniciou precisamente no mesmo dia do reinício das negociações sobre o Nuclear Iraniano, em Lausanne, na Suíça. O objectivo dos sauditas, neste capítulo, é naturalmente marcar uma posição e condicionar o Irão, para além de distrair a opinião pública internacional com o habitual ruído e poeira provocado pelas bombas. Um Irão nuclear, fará destes o polícia da região, sobretudo agora que o Iraque já não existe como “sempre” o conhecemos;
4º Dito isto, a Arábia Saudita sabe que o Irão não retaliará, já que a sua prioridade é impor-se como potência regional e não perder-se numa disputa que apoia e pela qual tem simpatias, mas que não assegura a sua própria sobrevivência e, sobretudo a do regime teocrático dos Ayatollahs, ao passo que o nuclear é precisamente isso que lhes garante. O Irão, sem ser uma potência nuclear, fica “reduzida e condenada” a ser “apenas” uma gigantesca potência cultural. Quem nos dera, o grande dilema português ser este!
5º O momento de agir não poderia ser outro que não agora, sobretudo quando a Comunidade Internacional, Conselho de Segurança das Nações Unidas incluído, condena este avanço houthi, os identifica como a ameaça à paz e estabilidade nacional do Iémen, bem como regional e, declara o PR Hadi e respectivo Governo que lidera, como único e legitimo no país.
Consequências
Esta ofensiva é fundamental para a estabilidade interna dos agressores, sobretudo dos membros CCG, que assim asseguram que as respectivas populações xiitas nos seus territórios não “levantam cabelo” e continuam submissas às lideranças sunitas.
Por incrível que pareça, esta ofensiva é fundamental para a manutenção da integridade territorial do próprio Iémen, já que dilui neste conflito de polarização sunita/xiita, o momento que os independentistas sulistas doHarak Janouby, vinham ganhando nos últimos anos/meses, liderados porAli Salim al-Beidh.
O preço do petróleo aumentou 6% desde que os ataques começaram, não se prevendo, para já, haver razões para que o Estreito de Bab-al-Mandeb, o qual permite o acesso ao Mar Vermelho, seja fechado, mesmo que se verifiquem abastecimentos de navios iranianos aos houthis, na faixa costeira iémenita que dominam, já em pleno Mar Vermelho.
Corre-se o risco, claro, de os houthis, que até aqui têm funcionado mais ou menos como um exército regular, optem por técnicas de guerrilha e mergulhem o país, de facto, numa guerra civil caótica, permitindo o surgimento de outros actores entretanto “adormecidos”, como são o caso da Al-Qaeda da Península Arábica (AQPA), “Estado Islâmico” (EI) eHarak Janouby.
Precisamente, o silêncio da AQPA significa que estão mais que provavelmente sob alçada do ex-PR Ali Abadallah Saleh e da Arabia Saudita, à espera do momento certo para entrarem em acção, ou continuarem na sombra. O silêncio do “EI” também significa que não têm, ainda, chão político no Iémen, apesar de terem reivindicado o duplo atentado em duas mesquitas da capital Sana’a, há precisamente uma semana. O que deverá existir no Iémen será um pequeno franchise do “EI”, mas que rapidamente poderá passar de uma tendência da moda, a um grupo organizado e com hierarquias e planos bem definidos.
A partir de amanhã, sábado, a Liga Árabe vai reunir-se no Cairo durante o fim-de-semana, devendo encontrar aqui uma rara oportunidade para o consenso, dentro uma vez mais da lógica sectária do sunismo, os puros, contra o xiismo, os heréticos, segundo a narrativa sunita, naturalmente e, chegar-se rapidamente a acordo quanto à constituição de uma força militar multinacional, para aquilo que deverá ficar definido como uma missão de intervenção terrestre e posterior Peacekeeping, sendo que para tal terá que haver Paz!
Os houthis poderão ficar a ganhar com um regresso à mesa das negociações, caso acedam a fazê-lo não tarde demais e numa posição de fragilidade, o que ainda não é o caso. Há uma semana, quase que estavam a chegar a um acordo, sendo que o mesmo não se definiu por detalhes quanto ao número e “cores” dos membros do Conselho Presidencial. Já demonstraram a força que têm e que todos têm que contar com eles para o futuro do país, já que não têm intenções de partir. Caso tenham manha suficiente, sem se armarem em “chicos-espertos” e acharem que têm um Direito Natural ao bolo todo, poderão conseguir uma fatia considerável e passar a ser uma força decisiva no futuro do Iémen.
A Força da Coligação
Arábia Saudita, 100 caças-bombardeiros e 150 mil tropas junto à fronteira sul com o Iémen;
Emiratos Árabes Unidos, 30 caças-bombardeiros;
Bahrein, 15 caças-bombardeiros;
Kuwait, 15 Caças-bombardeiros;
Qatar, 10 caças-bombardeiros;
Marrocos, 6 caças-bombardeiros;
Jordânia, 6 caças-bombardeiros e disponibilidade para enviar tropas, caso se opte por uma intervenção terrestre;
Sudão, 3 caças-bombardeiros e disponibilidade para enviar tropas, caso se opte por uma intervenção terrestre;
Egipto, 4 navios de guerra e disponibilidade para enviar tropas, caso se opte por uma intervenção terrestre;
Paquistão, disponibilidade para enviar caças-bombardeiros, navios de guerra e tropas, caso se opte por uma intervenção terrestre."
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