"Coragem" de ser mau é requesito para ser bom?





Nas minhas leituras diárias, deparei-me hoje com uma citação de François La Rochefoucauld que muito me chamou a atenção: “Ninguém merece ser louvado pela sua bondade, se não tiver a coragem de ser mau: qualquer outra forma de bondade não é mais que preguiça ou de ausência de vontade.” Assim que li esta frase fiquei indignada. Como assim? Então a única bondade válida é aquela praticada por alguém que teria a “coragem” de ser mau? Até me recordou de uma frase de Nietzsche: “É preciso ser-se imoral para pôr a moral em acção”. Mas depois de reler a frase umas 3 vezes, comecei a vê-la de uma outra prespectiva. Primeiro a ponto a deixar bem claro: apesar de muito respeitar o autor da citação, não concordo com a frase. Nenhum tipo de bondade deve ser desprezada, pois qualquer pessoa antes de praticar qualquer acto de bondade, tem a opção de não o fazer. E, afinal, não fazer o mal, não significa fazer o bem.

O que me chamou a atenção, porém, foi o facto do autor parecer dizer que, é preciso ter coragem para ser mau, e ao que parece, ter ou não essa coragem, é que condiciona a nossa bondade. Ora o ser humano tem em si instintos primários (egoísmo, compaixão, empatia, etc) que o podem levar tanto a ser bom com a ser mau, embora uma pessoa boa de vez em quando faça coisas más e vice-versa. Então, muito me espanta a conclusão do citado, do condicionamento da bondade à maldade, de que alguém antes de ser bom tem de descobrir dentro de si a coragem de ser mesmo mau. Acreditando que essa relação é directamente proporcional, talvez quanto mais bondosa é uma pessoa, mais coragem ela tem ou teria de ser má.

No entanto, pela vida e obra de algumas das pessoas consideradas muito boas mundialmente, deixo aqui o exemplo de Madre Teresa de Calcutá, vejo exactamente o contrário: quem é bom também é quem vê nos outros irmãos aos quais nunca poderia fazer mal, vê nos outros pessoas em nada diferentes em dignidade do que os maiores líderes do mundo. Quem é bom tem a coragem de tratar o mais pobre e miserável mendigo, com a mesma atenção que teria com o vizinho rico, tem a coragem de lutar por causas abandonadas, de resgatar pessoas perdidas, de acudir ao chamado de quem precisa, tem a coragem de morrer por algo ou por alguém.

Muito me alegro ao saber que há quem tenha optado por ser bom porque já foi mau com outros, mas  considero seres humanos dignos de admiração e do mais profundo respeito, aqueles que nunca escolheram ser bons porque ser mau, para eles, não é uma opção.

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